É muito usual ouvir-se que os problemas de comunicação são comuns em casais que procuram ajuda. Mas, de que falamos, quando abordamos os 'problemas de comunicação'? E como se aprende a comunicar melhor? E é mesmo assim? Melhorando a comunicação tudo se resolve?
Uma obra incontornável quando falamos de comunicação é a 'Pragmatics of Human Communication' de Paul Watzlawick, Janet Bavelas e Don Jackson. Foi publicada pela primeira vez em 1967, mas continua a ser uma ferramenta poderosíssima para perceber: - o que é a comunicação - quais os problemas e as patologias da comunicação - como se pode intervir para melhorar a comunicação Os autores falam-nos de 5 axiomas da comunicação: 1. É impossível não comunicar (mesmo quando estamos em silêncio e não dizemos nada, estamos a comunicar que não queremos falar, que queremos estar sozinhos) 2. A comunicação tem sempre dois níveis: conteúdo e relação (o conteúdo refere-se ao que dizemos, ou à informação; a relação diz respeito ao compromisso, este último definindo 'como eu me vejo', 'como eu te vejo' e 'como eu vejo o modo como tu me vês'; o nível da relação engloba uma comunicação sobre a comunicação: a METACOMUNICAÇÃO ) 3. A pontuação como organizadora da comunicação (estamos sempre a pontuar, ou seja a 'dar ordens', é como se fosse um jogo de ténis com várias jogadas, ora jogo eu, ora jogas tu...) 4. A comunicação é verbal (digital) e não-verbal (analógica) (e é o não-verbal que costuma ser mais 'autêntico', mais do que dizer 'gosto muito de ti' é o comportamento que nos dá a sensação que realmente aquela pessoa 'gosta muito de ti') 5. A comunicação informa sobre o tipo de relação (costumamos falar de dois tipos de relação: complementar - com relações assimétricas de poder como a relação parental - e simétrica - com relações simétricas em que o poder está igualmente distribuído, falaríamos por exemplo da relação conjugal). Comunicamos de diferentes formas consoante a relação em que nos encontramos. Podemos identificar várias patologias ou problemas na comunicação. As mais comuns são a ESCALADA, a RIGIDEZ e o DOUBLE BINDING (ou comunicação paradoxal). Muitas vezes é difícil, para não dizer impossível, serem as próprias pessoas a identificar esses problemas. E mesmo quando os identificam, não sabem como os ultrapassar. Fazem demasiado parte do sistema que pretendem mudar. Nesses contextos a terapia é uma ótima alternativa. Desde que a/o terapeuta não se deixe sugar pelo próprio sistema :) Escalada: problema que surge nas relações simétricas muitas vezes associada ao achar que o problema está no outro, sendo este que tem que mudar. Um exemplo de escalada é a conversa que começa por ser aparentemente simples, até sobre coisas mundanas, e que rapidamente se transforma numa enorme discussão sobre 'quem tem razão', sobre 'quem compreende', sobre, no fundo, quem tem poder. Rigidez: problema que surge nas relações complementares, marcado pela pouca flexibilidade no comportamento com a outra pessoa. Pode-se pensar no caso de uma pessoa que trata a outra de um modo controlador, restringindo as liberdades individuais, assumindo que isso é sinal de cuidado e de amor. Double Binding: problema que surge nas relações complementares, quando há mensagens ambíguas e contraditórias. Quando a Raquel diz à Joana que gostaria que ela fosse mais espontânea na sua sexualidade. Há sempre um paradoxo na comunicação e faça o que se fizer faz-se mal. Quer a Joana seja espontânea ou não, vai estar sempre a responder de um modo insatisfatório à Raquel. Se for mais espontânea, não o está a ser porque está a cumprir a indicação da Raquel. Se não for mais espontânea, não está a responder ao pedido do Raquel. Novamente, faça-se o que se fizer, faz-se mal. Esta é capaz de ser a patologia mais difícil de ser reconhecida por quem está envolvido na comunicação e é necessário algum trabalho terapêutico para se conseguir identificar e ultrapassar este padrão. A METACOMUNICAÇÃO apropriada e ajustada é uma condição sine qua non da comunicação com sucesso. A METACOMUNICAÇÃO encontra-se intimamente relacionada com os grandes problemas de consciência do self e dxs outrxs. Lembro-me de ter ouvido uns terapeutas a referirem, com alguma graça, que se os casais com problemas tivessem problemas de comunicação teriam-no também com outras pessoas fora do sistema conjugal. Na altura até fez algum sentido para mim, mas porque ainda não percebia bem os aspetos relacionais da comunicação e, principalmente, de poder. A boa comunicação é muito mais do que falar de um modo claro com alguém. É informar e relacionar-se, é organizar pontuando as várias mensagens para que o jogo comunicativo continue funcional, é equilibrar o verbal com o não-verbal, é adaptar o modo como comunicamos à relação que temos ou queremos ter. Metacomuniquemos, portanto! Comments are closed.
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Sofia B. SousaPsicóloga Clínica Arquivos
May 2023
Este blog tem objetivos educativos e informativos.
E não deve ser considerado como forma de terapia e acompanhamento psicológico. |