E viveram felizes para sempre!
Contos infantis. Tão adorados e tão importantes. Uma forma de socialização evidente. Como tudo, aliás! Não sou, devo dizê-lo, contra os contos infantis tradicionais. Mesmo esses os da princesas cor de rosa e os dos príncipes que salvam tudo e que beijam a princesa sem o seu consentimento explícito. Até servem bastante para promover o pensamento crítico das crianças se for uma leitura acompanhada. Mas, acima de tudo, sou muito a favor da diversidade. E, ainda hoje, os contos (e os jogos) são muito heteronormativos e baseados na família nuclear mãe-pai-filhos. O que é muito redutor. Encontrar livros para crianças que retratam famílias diferentes é sempre um desafio, mas vão havendo alguns exemplos maravilhosos. Deixo aqui alguns. Uns mais conservadores e outros mais ousados. Os temas vão desde as famílias monoparentais até às temáticas LGBTQIA+, passando pelas temáticas trans e pela identidade de género. No fundo, trata-se de abordar a DIVERSIDADE Para que, crianças e adultos, aprendam a ver o mundo por uma perspetiva bem mais colorida e interessante do que a princesa cor de rosa e o príncipe que salva tudo, o casamento, os filhos e a vida feliz para sempre... Menino ou Menina O Leão de Neve O Livro do Pedro (Maria dos 7 aos 8) Teodorico e as mães cegonhas Primeiro cresci no coração Todos fazemos tudo Monstro rosa Palavras bonitas sobre contas O Jaime é uma sereia Cá em casa somos... Álbum de famílias A vila das cores Luanda, Lua Os meus dois pais Por quem me apaixonarei? Três com tango Boas leituras! É muito usual ouvir-se que os problemas de comunicação são comuns em casais que procuram ajuda. Mas, de que falamos, quando abordamos os 'problemas de comunicação'? E como se aprende a comunicar melhor? E é mesmo assim? Melhorando a comunicação tudo se resolve?
Uma obra incontornável quando falamos de comunicação é a 'Pragmatics of Human Communication' de Paul Watzlawick, Janet Bavelas e Don Jackson. Foi publicada pela primeira vez em 1967, mas continua a ser uma ferramenta poderosíssima para perceber: - o que é a comunicação - quais os problemas e as patologias da comunicação - como se pode intervir para melhorar a comunicação Os autores falam-nos de 5 axiomas da comunicação: 1. É impossível não comunicar (mesmo quando estamos em silêncio e não dizemos nada, estamos a comunicar que não queremos falar, que queremos estar sozinhos) 2. A comunicação tem sempre dois níveis: conteúdo e relação (o conteúdo refere-se ao que dizemos, ou à informação; a relação diz respeito ao compromisso, este último definindo 'como eu me vejo', 'como eu te vejo' e 'como eu vejo o modo como tu me vês'; o nível da relação engloba uma comunicação sobre a comunicação: a METACOMUNICAÇÃO ) 3. A pontuação como organizadora da comunicação (estamos sempre a pontuar, ou seja a 'dar ordens', é como se fosse um jogo de ténis com várias jogadas, ora jogo eu, ora jogas tu...) 4. A comunicação é verbal (digital) e não-verbal (analógica) (e é o não-verbal que costuma ser mais 'autêntico', mais do que dizer 'gosto muito de ti' é o comportamento que nos dá a sensação que realmente aquela pessoa 'gosta muito de ti') 5. A comunicação informa sobre o tipo de relação (costumamos falar de dois tipos de relação: complementar - com relações assimétricas de poder como a relação parental - e simétrica - com relações simétricas em que o poder está igualmente distribuído, falaríamos por exemplo da relação conjugal). Comunicamos de diferentes formas consoante a relação em que nos encontramos. Podemos identificar várias patologias ou problemas na comunicação. As mais comuns são a ESCALADA, a RIGIDEZ e o DOUBLE BINDING (ou comunicação paradoxal). Muitas vezes é difícil, para não dizer impossível, serem as próprias pessoas a identificar esses problemas. E mesmo quando os identificam, não sabem como os ultrapassar. Fazem demasiado parte do sistema que pretendem mudar. Nesses contextos a terapia é uma ótima alternativa. Desde que a/o terapeuta não se deixe sugar pelo próprio sistema :) Escalada: problema que surge nas relações simétricas muitas vezes associada ao achar que o problema está no outro, sendo este que tem que mudar. Um exemplo de escalada é a conversa que começa por ser aparentemente simples, até sobre coisas mundanas, e que rapidamente se transforma numa enorme discussão sobre 'quem tem razão', sobre 'quem compreende', sobre, no fundo, quem tem poder. Rigidez: problema que surge nas relações complementares, marcado pela pouca flexibilidade no comportamento com a outra pessoa. Pode-se pensar no caso de uma pessoa que trata a outra de um modo controlador, restringindo as liberdades individuais, assumindo que isso é sinal de cuidado e de amor. Double Binding: problema que surge nas relações complementares, quando há mensagens ambíguas e contraditórias. Quando a Raquel diz à Joana que gostaria que ela fosse mais espontânea na sua sexualidade. Há sempre um paradoxo na comunicação e faça o que se fizer faz-se mal. Quer a Joana seja espontânea ou não, vai estar sempre a responder de um modo insatisfatório à Raquel. Se for mais espontânea, não o está a ser porque está a cumprir a indicação da Raquel. Se não for mais espontânea, não está a responder ao pedido do Raquel. Novamente, faça-se o que se fizer, faz-se mal. Esta é capaz de ser a patologia mais difícil de ser reconhecida por quem está envolvido na comunicação e é necessário algum trabalho terapêutico para se conseguir identificar e ultrapassar este padrão. A METACOMUNICAÇÃO apropriada e ajustada é uma condição sine qua non da comunicação com sucesso. A METACOMUNICAÇÃO encontra-se intimamente relacionada com os grandes problemas de consciência do self e dxs outrxs. Lembro-me de ter ouvido uns terapeutas a referirem, com alguma graça, que se os casais com problemas tivessem problemas de comunicação teriam-no também com outras pessoas fora do sistema conjugal. Na altura até fez algum sentido para mim, mas porque ainda não percebia bem os aspetos relacionais da comunicação e, principalmente, de poder. A boa comunicação é muito mais do que falar de um modo claro com alguém. É informar e relacionar-se, é organizar pontuando as várias mensagens para que o jogo comunicativo continue funcional, é equilibrar o verbal com o não-verbal, é adaptar o modo como comunicamos à relação que temos ou queremos ter. Metacomuniquemos, portanto! Ainda hoje tendemos a entendê-los como sinónimos.
Se nasci como menina, ou seja se apresento uma vulva, um xx, e caracteres sexuais secundários, irei sentir-me e identificar-me como uma mulher e irei 'naturalmente' orientar-me sexual e romanticamente para uma relação com um homem. Irei também ser 'feminina' (seja lá o que isso fôr) e vestir-me e comportar-me como uma mulher (seja lá o que isso fôr também)... Ora, nós somos bem mais interessantes - e menos lineares - do que isso. Por isso é que, muitas vezes, o pensamento binário (homem/mulher, pénis/vagina) não é muito rico nem traduz muito bem a nossa identidade e a nossa expressão enquanto pessoas. Falar de um contínuo é bem mais interessante e tende a ilustrar de um modo mais adequado as nossas relações e vivências. Mas, mesmo quando falamos de um contínuo, continuamos a ter como referências discursivas a masculinidade e a feminilidade. Parece que não conseguimos sair dessa divisão. Há uma proposta que me parece explicar muito bem, e de uma forma simples, a diferença entre sexo, género e orientação sexual. Foi desenvolvida por Sam Killerman e podem ver mais sobre isso aqui. Falamos então em: - Identidade de género: podemos pensar na identidade de género em torno de ser mulher e de ser homem. Falamos da personalidade, de traços, de papéis e de expectativas. - Expressão de género: aqui estamos no domínio de como nos apresentamos, se de um modo mais masculino ou feminino em termos da roupa, maquilhagem, aparência e cabelo. - Sexo anatómico: o sexo anatómico é aquele que é usualmente utilizado para identificar uma pessoa e estamos a falar dos cromossomas sexuais, da genitalidade, das hormonas e dos caracteres sexuais secundários. - Orientação sexual & Orientação romântica: dirigida a mulheres femininas e/ou pessoas femininas ou homens masculinos e/ou a pessoas masculinas Uma vez mais, estas quatro dimensões devem ser pensadas num contínuo e não de uma forma linear. Mesmo no sexo anatómico, a dimensão mais biológica de todas se quisermos, há variações na genitalidade à nascença que, por vezes, não permite perceber claramente se se trata de um pénis ou de uma vulva. E depois é só fazer combinações para percebermos a riqueza da (dita) natureza humana. E para perceber que ao continuarmos a pensar as pessoas em termos de homens/mulheres e pénis/vaginas perdemos muito da sua complexidade. Se quiserem mesmo fazer classificações e colocar categorias em relação ao sexo anatómico e à identidade de género, podemos falar em cisgénero (quando o género que nos é dado à nascença coincide com a nossa identidade de género) e em transgénero (quando o género que nos é dado à nascença não coincide com a nossa identidade de género). O género é essencialmente uma construção social. O sexo, e a importância definidora que lhe atribuímos, também. Já dizia Simone de Beauvoir, no seu livro O Segundo Sexo, "não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres". E o que é que isto quer dizer? De uma forma muito simples, há um conjunto de características que associamos ao identificarmos-nos e ao expressarmo-nos enquanto homens e/ou mulheres que são aprendidas, moldadas, selecionadas, escolhidas, ensinadas de modo a nos apresentarmos e a nos sentirmos como mulheres e/ou como homens (em diferentes graus). Continuamos a dividir o mundo em homens e em mulheres e por vezes o mundo parece ter tanta certeza o que cabe a cada um. A mim causa-me tanta indignação as possibilidades que excluímos a homens e mulheres, apenas por termos essas lentes binárias. E o que obrigamos homens e mulheres a terem que ser... Quando se está grávida a pergunta que se ouve mais (até mais do que 'está tudo bem?') é 'o que é que é?'. Não deixa de ser interessante como parece ser TÃO importante lermos as pessoas em termos de mulheres e homens. Porque quando se pergunta o sexo do bebé, não se está a perguntar apenas sobre a sua genitalidade, mas sim sobre o seu género e sobre a sua orientação sexual. Que brincadeiras irá privilegiar, como se vai comportar, o que lhe vai ser permitido e promovido. E o que lhe será excluído... A entrevista da Anabela Mota Ribeiro à extraordinária Gabriela Moita é muito interessante e fala muito sobre isso. Podem lê-la aqui. Raquel Freire, no livro Transiberic Love diz algo com o qual me identifico muito e penso ser uma boa mensagem para deixar no final deste post: Somxs todxs pessoas. |
Sofia B. SousaPsicóloga Clínica Arquivos
May 2023
Este blog tem objetivos educativos e informativos.
E não deve ser considerado como forma de terapia e acompanhamento psicológico. |